Ano da Fé 2012-2013



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Metas: 9ª Semana

 

ARTIGO 5 «JESUS CRISTO DESCEU À MANSÃO DOS MORTOS, AO TERCEIRO DIA RESSUSCITOU DOS MORTOS»

«Jesus desceu às regiões inferiores da Terra. Aquele que desceu é precisamente o mesmo que subiu» (Ef 4, 9-10). O Símbolo dos Apóstolos confessa, num mesmo artigo da fé, a descida de Cristo a mansão dos mortos e a sua ressurreição dos mortos ao terceiro dia, porque, na sua Páscoa, é da profundidade da morte que Ele faz jorrar a vida:

 

Christus, Filius tuus,

qui, regressos ab inferis,

humano generi serenus illuxit,

et vivit et regnat in saecula saeculorum. Amen

Jesus Cristo, vosso Filho,

que, ressuscitando de entre os mortos,

iluminou o género humano com a sua luz e a sua paz

e vive glorioso pelos séculos dos séculos. Ámen

 

 

PARÁGRAFO 1 - CRISTO DESCEU À MANSÃO DOS MORTOS

As frequentes afirmações do Novo Testamento, segundo as quais Jesus ressuscitou de entre os mortos, pressupõem que, anteriormente à ressurreição, Ele tenha estado na mansão dos mortos; este o sentido primeiro dado pela pregação apostólica à descida de Jesus à mansão dos mortos: Jesus conheceu a morte, como todos os homens, e foi ter com eles à morada dos mortos. Porém, desceu lá como salvador proclamando a Boa-Nova aos espíritos que ali estavam prisioneiros. A morada dos mortos, a que Cristo morto desceu, é chamada pela Escritura os infernos, Sheol ou Hades, porque aqueles que aí se encontravam estavam privados da visão de Deus. Tal era o caso de todos os mortos, maus ou justos, enquanto esperavam o Redentor, o que não quer dizer que a sua sorte fosse idêntica, como Jesus mostra na parábola do pobre Lázaro, recebido no seio de Abraão. Foram precisamente essas almas santas, que esperavam o seu libertador no seio de Abraão, que Jesus Cristo libertou quando desceu à mansão dos mortos. Jesus não desceu à mansão dos mortos para de lá libertar os condenados, nem para abolir o inferno da condenação, mas para libertar os justos que O tinham precedido.

«A Boa-Nova foi igualmente anunciada aos mortos...» (1 Pe 4, 6). A descida à mansão dos mortos é o cumprimento, até à plenitude, do anúncio evangélico da salvação. É a última fase da missão messiânica de Jesus, fase condensada no tempo, mas imensamente vasta no seu significado real de extensão da obra redentora a todos os homens de todos os tempos e de todos os lugares, porque todos aqueles que se salvaram se tornaram participantes da redenção. Cristo, portanto, desceu aos abismos da morte, para que os mortos ouvissem a voz do Filho do Homem e os que a ouvissem, vivessem. Jesus, o Príncipe da Vida, «pela sua morte, reduziu à impotência aquele que tem o poder da morte, isto é, o Diabo, e libertou quantos, por meio da morte, se encontravam sujeitos à servidão durante a vida inteira» (Heb 2, 14-15). Desde agora, Cristo ressuscitado «detém as chaves da morte e do Hades» (Ap 1, 18) e «ao nome de Jesus todos se ajoelhem, no céu, na terra e nos abismos» (Fl 2, 10).

PARÁGRAFO 2 - AO TERCEIRO DIA, RESSUSCITOU DOS MORTOS

«Nós vos anunciamos a Boa-Nova de que a promessa feita aos nossos pais, a cumpriu Deus para nós, seus filhos, ao ressuscitar Jesus» (Act 13, 32-33). A ressurreição de Jesus é a verdade culminante da nossa fé em Cristo, acreditada e vivida como verdade central pela primeira comunidade cristã, transmitida como fundamental pela Tradição, estabelecida pelos documentos do Novo Testamento, pregada como parte essencial do mistério pascal, ao mesmo tempo que a cruz:

 

I.              Acontecimento histórico e transcendente

O mistério da ressurreição de Cristo é um acontecimento real, com manifestações historicamente verificadas, como atesta o Novo Testamento. Já São Paulo, por volta do ano 56, pôde escrever aos Coríntios: «Transmiti-vos, em primeiro lugar, o mesmo que havia recebido: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras: a seguir, apareceu a Pedro, depois aos Doze» (1 Cor 15, 3-4). O Apóstolo fala aqui da tradição viva da ressurreição, de que tinha tomado conhecimento após a sua conversão, às portas de Damasco.

O TÚMULO VAZIO

«Por que motivo procurais entre os mortos Aquele que está vivo? Não está aqui, ressuscitou» (Lc 24, 5-6). No quadro dos acontecimentos da Páscoa, o primeiro elemento que se nos oferece é o sepulcro vazio. Isso não é, em si, uma prova direta. A ausência do corpo de Cristo do sepulcro poderia explicar-se doutro modo. Apesar disso, o sepulcro vazio constitui, para todos, um sinal essencial. A descoberta do facto pelos discípulos foi o primeiro passo para o reconhecimento do facto da ressurreição. Foi, primeiro, o caso das santas mulheres, depois o de Pedro. O discípulo que Jesus amava afirma que, ao entrar no sepulcro vazio e ao descobrir os lençóis no chão, viu e acreditou; o que supõe que ele terá verificado, pelo estado em que ficou o sepulcro vazio, que a ausência do corpo de Jesus não podia ter sido obra humana e que Jesus não tinha simplesmente regressado a uma vida terrena, como fora o caso de Lázaro.

AS APARIÇÕES DO RESSUSCITADO

Maria Madalena e as santas mulheres, que vinham para acabar de embalsamar o corpo de Jesus, sepultado à pressa por causa do início do Sábado, no fim da tarde de Sexta-feira Santa, foram as primeiras pessoas a encontrar-se com o Ressuscitado. Assim, as mulheres foram as primeiras mensageiras da ressurreição de Cristo para os próprios Apóstolos. Em seguida, foi a eles que Jesus apareceu: primeiro a Pedro, depois aos Doze. Pedro, incumbido de consolidar a fé dos seus irmãos, vê, portanto, o Ressuscitado antes deles e é com base no seu testemunho que a comunidade exclama: «Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão» (Lc 24, 34.36).

Tudo quanto aconteceu nestes dias pascais empenha cada um dos Apóstolos – e muito particularmente Pedro – na construção da era nova, que começa na manhã do dia de Páscoa. Como testemunhas do Ressuscitado, eles são as pedras do alicerce da sua Igreja. A fé da primeira comunidade dos crentes está fundada no testemunho de homens concretos, conhecidos dos cristãos e, a maior parte, vivendo ainda entre eles. Estas testemunhas da ressurreição de Cristo são, em primeiro lugar, Pedro e os Doze. Mas há outros: Paulo fala claramente de mais de quinhentas pessoas às quais Jesus apareceu em conjunto, além de Tiago e de todos os Apóstolos.

Perante estes testemunhos, é impossível interpretar a ressurreição de Cristo fora da ordem física e não a reconhecer como um facto histórico. Resulta, dos factos, que a fé dos discípulos foi submetida à prova radical da paixão e morte de cruz do seu Mestre, por este de antemão anunciada. O abalo provocado pela paixão foi tão forte que os discípulos (pelo menos alguns) não acreditaram imediatamente na notícia da ressurreição. Longe de nos apresentar uma comunidade tomada de exaltação mística, os evangelhos apresentam-nos os discípulos abatidos, de rosto sombrio e apavorados. Foi por isso que não acreditaram nas santas mulheres, regressadas da sua visita ao túmulo, e «as suas narrativas pareceram-lhe um desvario» (Lc 24, 11). Quando Jesus apareceu aos onze, na tarde do dia de Páscoa, «censurou-lhes a falta de fé e a teimosia em não quererem acreditar naqueles que O tinham visto ressuscitado» (Mc 16, 14).

Mesmo confrontados com a realidade de Jesus Ressuscitado, os discípulos ainda duvidam de tal modo que isso lhes parecia impossível: julgavam ver um fantasma. «Por causa da alegria, estavam ainda sem querer acreditar e cheios de assombro» (Lc 24, 41). Tomé experimentará a mesma provação da dúvida, e quando da última aparição na Galileia, referida por Mateus, «alguns ainda duvidavam» (Mt 28, 17).É por isso que a hipótese, segundo a qual a ressurreição teria sido um produto da fé (ou da credulidade) dos Apóstolos, é inconsistente. Pelo contrário, a sua fé na ressurreição nasceu — sob a ação da graça divina da experiência direta da realidade de Jesus Ressuscitado.

O ESTADO DA HUMANIDADE RESSUSCITADA DE CRISTO

Jesus Ressuscitado estabeleceu com os seus discípulos relações diretas, através do contacto físico e da participação na refeição. Desse modo, convida-os a reconhecer que não é um espírito, e sobretudo, a verificar que o corpo ressuscitado, com o qual se lhes apresenta, é o mesmo que foi torturado e crucificado, pois traz ainda os vestígios da paixão. No entanto, este corpo autêntico e real possui, ao mesmo tempo, as propriedades novas dum corpo glorioso: não está situado no espaço e no tempo, mas pode, livremente, tornar-se presente onde e quando quer, porque a sua humanidade já não pode ser retida sobre a terra e já pertence exclusivamente ao domínio divino do Pai. Também por este motivo, Jesus Ressuscitado é soberanamente livre de aparecer como quer: sob a aparência dum jardineiro ou «com um aspecto diferente» (Mc 16, 12) daquele que era familiar aos discípulos; e isso, precisamente, para lhes despertar a fé.

A ressurreição de Cristo não foi um regresso à vida terrena, como no caso das ressurreições que Ele tinha realizado antes da Páscoa: a filha de Jairo, o jovem de Naim e Lázaro. Esses factos eram acontecimentos milagrosos, mas as pessoas miraculadas reencontravam, pelo poder de Jesus, uma vida terrena normal: em dado momento, voltariam a morrer. A ressurreição de Cristo é essencialmente diferente. No seu corpo ressuscitado, Ele passa do estado de morte a uma outra vida, para além do tempo e do espaço. O corpo de Cristo é, na ressurreição, cheio do poder do Espírito Santo; participa da vida divina no estado da sua glória, de tal modo que São Paulo pode dizer de Cristo que Ele é o homem celeste.

A RESSURREIÇÃO COMO ACONTECIMENTO TRANSCENDENTE

«Oh noite bendita! – canta o «Exultet» pascal – única a ter conhecimento do tempo e da hora em que Cristo ressuscitou do sepulcro». Com efeito, ninguém foi testemunha ocular do acontecimento da ressurreição propriamente dita e nenhum evangelista o descreve. Ninguém pôde dizer como ela se deu, fisicamente. Ainda menos a sua essência mais íntima, a passagem a uma outra vida, foi percetível aos sentidos. Acontecimento histórico comprovado pelo sinal do túmulo vazio e pela realidade dos encontros dos Apóstolos com Cristo Ressuscitado, nem por isso a ressurreição deixa de estar, naquilo em que transcende e ultrapassa a história, no próprio centro do mistério da fé. Foi por isso que Cristo Ressuscitado não Se manifestou ao mundo, mas aos discípulos, «aos que com Ele tinham subido da Galileia a Jerusalém» e que «são agora testemunhas de Jesus junto do povo» (Act 13, 31).

II.            A ressurreição – obra da Santíssima Trindade

A ressurreição de Cristo é objeto de fé, na medida em que é uma intervenção transcendente do próprio Deus na criação e na história. Nela, as três pessoas divinas agem em conjunto e manifestam a sua originalidade própria: realizou-se pelo poder do Pai, que ressuscitou Cristo seu Filho, e assim introduziu de modo perfeito a sua humanidade – com o seu corpo – na Trindade. Jesus foi divinamente revelado «Filho de Deus em todo o seu poder, pela sua ressurreição de entre os mortos» (Rm 1, 4). São Paulo insiste na manifestação do poder de Deus por obra do Espírito, que vivificou a humanidade morta de Jesus e a chamou ao estado glorioso de Senhor.

Quanto ao Filho, Ele opera a sua própria ressurreição em virtude do seu poder divino. Jesus anuncia que o Filho do Homem deverá sofrer muito, e depois ressuscitar (no sentido ativo da palavra). Aliás, é d'Ele esta afirmação explícita: «Eu dou a minha vida para retomá-la [...] Tenho o poder de a dar e o poder de a retomar» (Jo 10, 17-18). «Nós cremos que Jesus morreu e depois ressuscitou» (1 Ts 4, 14).

Os Santos Padres contemplam a ressurreição a partir da pessoa divina de Cristo, que ficou unida à sua alma e ao seu corpo, separados entre si pela morte:

Pela unidade da natureza divina, que continua presente em cada uma das duas partes do homem, estas unem-se de novo. Assim, a morte é produzida pela separação do composto humano e a ressurreição pela união das duas partes separadas

São Gregório de Nissa

 

III.           Sentido e alcance salvífico da ressurreição

«Se Cristo não ressuscitou, então a nossa pregação é vã e também é vã a vossa fé» (1 Cor 15, 14). A ressurreição constitui, antes de mais, a confirmação de tudo quanto Cristo em pessoa fez e ensinou. Todas as verdades, mesmo as mais inacessíveis ao espírito humano, encontram a sua justificação se, ressuscitando, Cristo deu a prova definitiva, que tinha prometido, da sua autoridade divina. A ressurreição de Cristo é o cumprimento das promessas do Antigo Testamento e do próprio Jesus, durante a sua vida terrena. A expressão «segundo as Escrituras» indica que a ressurreição de Cristo cumpriu essas predições.

A verdade da divindade de Jesus é confirmada pela ressurreição. Ele tinha dito: «Quando elevardes o Filho do Homem, então sabereis que "Eu Sou"» (Jo 8, 28). A ressurreição do Crucificado demonstrou que Ele era verdadeiramente «Eu Sou», o Filho de Deus e Ele próprio Deus. São Paulo pôde declarar aos judeus: «E nós vos anunciamos a Boa-Nova de que a promessa feita aos nossos pais, cumpriu-a Deus para os filhos deles ao ressuscitar Jesus, como justamente está escrito no Salmo segundo: "Tu és meu Filho, Eu gerei-Te hoje"» (Act 13, 32-33). O mistério da ressurreição de Cristo está estreitamente ligado ao mistério da Encarnação do Filho de Deus. É dele o cumprimento, segundo o desígnio eterno de Deus.

Existe um duplo aspeto no mistério pascal: pela sua morte, Cristo liberta-nos do pecado; pela sua ressurreição, abre-nos o acesso a uma nova vida. Esta é, antes de mais, a justificação, que nos repõe na graça de Deus, «para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos [...], também nós vivamos uma vida nova» (Rm 6, 4). Esta consiste na vitória sobre a morte do pecado e na nova participação na graça; realiza a adoção filial, porque os homens tornam-se irmãos de Cristo, como o próprio Jesus chama aos discípulos depois da ressurreição: «Ide anunciar aos meus irmãos» (Mt 28, 10). Irmãos, não por natureza, mas por dom da graça, porque esta filiação adotiva proporciona uma participação real na vida do Filho, plenamente revelada na sua ressurreição.

Finalmente, a ressurreição de Cristo – e o próprio Cristo Ressuscitado – é princípio e fonte da nossa ressurreição futura: «Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram [...]. Do mesmo modo que em Adão todos morreram, assim também em Cristo serão todos restituídos à vida» (1 Cor 15, 20-22). Na expectativa de que isto se realize, Cristo Ressuscitado vive no coração dos seus fiéis. N'Ele, os cristãos «saboreiam as maravilhas do mundo vindouro» (Heb 6, 5) e a sua vida é atraída por Cristo para o seio da vida divina, «para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles» (2 Cor 5, 15).

ARTIGO 6 «JESUS SUBIU AOS CÉUS E ESTÁ SENTADO À DIREITA DE DEUS, PAI TODO-PODEROSO»

«Então, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus» (Mc 16, 19). O corpo de Cristo foi glorificado desde o momento da sua ressurreição, como o provam as propriedades novas e sobrenaturais de que, a partir de então, ele goza permanentemente. Mas, durante os quarenta dias em que vai comer e beber familiarmente com os discípulos e instruí-los sobre o Reino, a sua glória fica ainda velada sob as aparências duma humanidade normal. A última aparição de Jesus termina com a entrada irreversível da sua humanidade na glória divina, simbolizada pela nuvem e pelo céu, onde a partir de então, está sentado à direita de Deus. Só de modo absolutamente excecional e único é que Se mostrará a Paulo numa última aparição que o constitui Apóstolo.

O carácter velado da glória do Ressuscitado, durante este tempo, transparece na sua misteriosa palavra a Maria Madalena: « [...] ainda não subi para o Pai. Vai ter com os meus irmãos e diz-lhes que vou subir para o meu Pai e vosso Pai, para o meu Deus e vosso Deus» (Jo 20, 17). Isto indica uma diferença entre a manifestação da glória de Cristo Ressuscitado e a de Cristo exaltado à direita do Pai. O acontecimento da ascensão, ao mesmo tempo histórico e transcendente, marca a transição duma para a outra.

Esta última etapa continua intimamente unida à primeira, isto é, à descida do céu realizada na Encarnação. Só Aquele que saiu do Pai pode voltar para o Pai: Cristo. «Ninguém subiu ao céu senão Aquele que desceu do céu: o Filho do Homem» (Jo 3, 13). Abandonada às suas forças naturais, a humanidade não tem acesso à Casa do Pai, à vida e à felicidade de Deus. Só Cristo pode abrir ao homem este acesso: «subindo aos céus, como nossa cabeça e primogénito, deu-nos a esperança de irmos um dia ao seu encontro, como membros do seu corpo».

«E Eu, uma vez elevado da terra, atrairei todos a Mim» (Jo 12, 32). A elevação na cruz significa e anuncia a elevação da ascensão aos céus. É o princípio dela, Jesus Cristo, o único sacerdote da nova e eterna Aliança, «não entrou num santuário feito por homens [...]. Entrou no próprio céu, a fim de agora se apresentar diante de Deus em nosso favor» (Heb 9, 24). Nos céus, Cristo exerce permanentemente o seu sacerdócio, «sempre vivo para interceder a favor daqueles que, por seu intermédio, se aproximam de Deus» (Heb 7, 25). Como «sumo sacerdote dos bens futuros» (Heb 9, 11), Ele é o centro e o ator principal da liturgia que honra o Pai que está nos céus.

Doravante, Cristo está sentado à direita do Pai:

Por direita do Pai entendemos a glória e a honra da divindade, em cujo seio Aquele que, antes de todos os séculos, existia como Filho de Deus, como Deus e consubstancial ao Pai, tomou assento corporalmente desde que encarnou e o seu corpo foi glorificado

São João Damasceno.

Sentar-se à direita do Pai significa a inauguração do Reino messiânico, cumprimento da visão do profeta Daniel a respeito do Filho do Homem: «Foi-Lhe entregue o domínio, a majestade e a realeza, e todos os povos, nações e línguas O serviram. O seu domínio é um domínio eterno, que não passará jamais, e a sua realeza não será destruída» (Dn 7, 14). A partir deste momento, os Apóstolos tornaram-se as testemunhas do Reino que não terá fim.

ARTIGO 7 «DE ONDE HÁ-DE VIR A JULGAR OS VIVOS E OS MORTOS»

I.              «Voltará na sua glória»

CRISTO REINA, DESDE JÁ, PELA IGREJA...

«Cristo morreu e voltou à vida para ser Senhor dos mortos e dos vivos» (Rm 14, 9). A ascensão de Cristo aos céus significa a sua participação, na sua humanidade, no poder e autoridade do próprio Deus. Jesus Cristo é Senhor: Ele possui todo o poder nos céus e na Terra. Está «acima de todo o principado, poder, virtude e soberania», porque o Pai «tudo submeteu a seus pés» (Ef 1, 20-22). Cristo é o Senhor do cosmos e da história, N'Ele, a história do homem, e até a criação inteira, encon­tram a sua recapitulação, o seu acabamento transcendente.

Como Senhor, Cristo é também a cabeça da Igreja, que é o seu corpo. Elevado ao céu e glorificado, tendo assim cumprido plenamente a sua missão, continua na terra por meio da Igreja. A redenção é a fonte da autoridade que Cristo, em virtude do Espírito Santo, exerce sobre a Igreja. «O Reino de Cristo já está misteriosamente presente na Igreja» , «gérmen e princípio deste mesmo Reino na Terra».

Depois da ascensão, o desígnio de Deus entrou na sua consumação. Estamos já na última hora. «Já chegou pois, a nós, a plenitude dos tempos, a renovação do mundo já está irrevogavelmente adquirida e, de certo modo, encontra-se já realmente antecipada neste tempo: com efeito, ainda aqui na Terra, a Igreja está aureolada de uma verdadeira, embora imperfeita, santidade». O Reino de Cristo manifesta já a sua presença pelos sinais miraculosos que acompanham o seu anúncio pela Igreja.

... À ESPERA DE QUE TUDO LHE SEJA SUBMETIDO

Já presente na sua Igreja, o Reino de Cristo, contudo, ainda não está acabado «em poder e glória» (Lc 21, 27) pela vinda do Rei à terra. Este Reino ainda é atacado pelos poderes do mal, embora estes já tenham sido radicalmente vencidos pela Páscoa de Cristo. Até que tudo Lhe tenha sido submetido, «enquanto não se estabelecem os novos céus e a nova terra, em que habita a justiça, a Igreja peregrina, nos seus sacramentos e nas suas instituições, que pertencem à presente ordem temporal, leva a imagem passageira deste mundo e vive no meio das criaturas que gemem e sofrem as dores do parto, esperando a manifestação dos filhos de Deus». Por este motivo, os cristãos oram, sobretudo na Eucaristia, para que se apresse o regresso de Cristo, dizendo-Lhe: «Vem, Senhor» (Ap 22, 20).

Cristo afirmou, antes da sua ascensão, que ainda não era a hora do estabelecimento glorioso do Reino messiânico esperado por Israel, o qual devia trazer a todos os homens, segundo os profetas, a ordem definitiva da justiça, do amor e da paz. O tempo presente é, segundo o Senhor, o tempo do Espírito e do testemunho mas é também um tempo ainda marcado pela desolação e pela provação do mal, que não poupa a Igreja e inaugura os combates dos últimos dias. É um tempo de espera e de vigília.

A VINDA GLORIOSA DE CRISTO, ESPERANÇA DE ISRAEL

A partir da ascensão, a vinda de Cristo na glória está iminente mesmo que não nos «pertença saber os tempos ou os momentos que o Pai determinou com a sua autoridade» (Act 1, 7). Este advento escatológico pode realizar-se a qualquer momento, ainda que esteja retido, ele e a provação final que o há-de preceder.

A vinda do Messias glorioso está pendente, a todo o momento da história, do seu reconhecimento por todo o Israel, do qual uma parte se endureceu na «incredulidade» (Rm 11, 20) em relação a Jesus. E Pedro quem diz aos judeus de Jerusalém, após o Pentecostes: «Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que os pecados vos sejam perdoados. Assim, o Senhor fará que venham os tempos de alívio e vos mandará o Messias Jesus, que de antemão vos foi destinado. O céu tem de O conservar até à altura da restauração universal, que Deus anunciou pela boca dos seus santos profetas de outrora» (Act 3, 19-21). E Paulo faz-se eco destas palavras: «Se da sua rejeição resultou a reconciliação do mundo, o que será a sua reintegração senão uma ressurreição de entre os mortos?» (Rm 11, 15). A entrada da totalidade dos judeus na salvação messiânica, a seguir à conversão total dos pagãos, dará ao povo de Deus ocasião de «realizar a plenitude de Cristo» (Ef 4, 13), na qual «Deus será tudo em todos» (1 Cor 15, 2).

A ÚLTIMA PROVA DA IGREJA

Antes da vinda de Cristo, a Igreja deverá passar por uma prova final, que abalará a fé de numerosos crentes. A perseguição, que acompanha a sua peregrinação na Terra, porá a descoberto o mistério da iniquidade, sob a forma duma impostura religiosa, que trará aos homens uma solução aparente para os seus problemas, à custa da apostasia da verdade. A suprema impostura religiosa é a do Anticristo, isto é, dum pseudo-messianismo em que o homem se glorifica a si mesmo, substituindo-se a Deus e ao Messias Encarnado.

Esta impostura anticrística já se esboça no mundo, sempre que se pretende realizar na história a esperança messiânica, que não pode consumar-se senão para além dela, através do juízo escatológico. A Igreja rejeitou esta falsificação do Reino futuro, mesmo na sua forma mitigada, sob o nome de milenarismo, e principalmente sob a forma política dum messianismo secularizado, «intrinsecamente perverso».

A Igreja não entrará na glória do Reino senão através dessa última Páscoa, em que seguirá o Senhor na sua morte e ressurreição. O Reino não se consumará, pois, por um triunfo histórico da Igreja segundo um progresso ascendente, mas por uma vitória de Deus sobre o último desencadear do mal, que fará descer do céu a sua Esposa. O triunfo de Deus sobre a revolta do mal tomará a forma de Juízo final, após o último abalo cósmico deste mundo passageiro.

II.            «Para julgar os vivos e os mortos»

Na sequência dos profetas e de João Baptista, Jesus anunciou, na sua pregação, o Juízo do último dia. Então será revelado o procedimento de cada um e o segredo dos corações. Então, será condenada a incredulidade culpável, que não teve em conta a graça oferecida por Deus. A atitude tomada para com o próximo revelará a aceitação ou a recusa da graça e do amor divino. No último dia, Jesus dirá: «Sempre que o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes» (Mt 25, 40).

Cristo é Senhor da vida eterna. O pleno direito de julgar definitivamente as obras e os corações dos homens pertence-Lhe a Ele, enquanto redentor do mundo. Ele «adquiriu» este direito pela sua cruz. Por isso, o Pai entregou «ao Filho todo o poder de julgar» (Jo 5, 22). Ora, o Filho não veio para julgar, mas para salvar e dar a vida que tem em Si. É pela recusa da graça nesta vida que cada qual se julga já a si próprio, recebe segundo as suas obras e pode, mesmo, condenar-se para a eternidade, recusando o Espírito de amor.