Ano da Fé 2012-2013



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5ª semana - metas

 

PARÁGRAFO 5 - Céu e Terra

O Símbolo dos Apóstolos professa que Deus é Criador do céu e da terra. E o Símbolo Niceno-Constantinopolitano explicita: de todas as coisas, visíveis e invisíveis.

Na Sagrada Escritura, a expressão céu e terra significa: tudo o que existe, a criação inteira. Indica também o laço que, no interior da criação, ao mesmo tempo une e distingue céu e terra: a terra é o mundo dos homens; o céu ou os céus pode designar o firmamento, mas também o lugar próprio de Deus. Finalmente, a palavra céu indica o lugar das criaturas espirituais – os anjos – que rodeiam Deus.

A profissão de fé do quarto Concílio de Latrão afirma que Deus, desde o princípio do tempo, criou do nada ao mesmo tempo uma e outra criatura, a espiritual e a corporal, isto é, os anjos e o mundo terrestre. Depois criou a criatura humana, que participa das duas primeiras, formada, como é, de espírito e corpo.

I.                 Os anjos

A existência dos anjos uma verdade de fé

A existência dos seres espirituais, não-corporais, a que a Sagrada Escritura habitualmente chama anjos, é uma verdade de fé. O testemunho da Escritura é tão claro como a unanimidade da Tradição.

Quem são os Anjos?

Santo Agostinho diz a respeito deles: Anjo é nome de ofício, não de natureza. Desejas saber o nome da natureza? Espírito. Desejas saber o do ofício? Anjo. Pelo que é, é espírito: pelo que faz, é anjo (anjo = mensageiro).Com todo o seu ser, os anjos são servos e mensageiros de Deus. Pelo facto de contemplarem continuamente o rosto do meu Pai que está nos céus, eles são os poderosos executores das suas ordens, sempre atentos à sua palavra.

Enquanto criaturas puramente espirituais, são dotados de inteligência e vontade: são criaturas pessoais  imortais. Excedem em perfeição todas as criaturas visíveis.

Cristo com todos os seus anjos

Cristo é o centro do mundo dos anjos (angélico). Estes pertencem-Lhe, porque criados por e para Ele e porque os fez mensageiros do seu plano salvador. Ei-los, desde a criação e ao longo de toda a história da salvação, anunciando de longe ou de perto esta mesma salvação, e postos ao serviço do plano divino da sua realização.

Da Encarnação à Ascensão, a vida do Verbo Encarnado é rodeada da adoração e serviço dos anjos. Quando Deus introduziu no mundo o seu Primogénito, disse: Adorem-n'O todos os anjos de Deus. O seu cântico de louvor, na altura do nascimento de Cristo, nunca deixou de se ouvir no louvor da Igreja. Eles protegem a infância de Jesus, servem-n'O no deserto e confortam-n'O na agonia no momento em que por eles poderia ter sido salvo das mãos dos inimigos como outrora Israel. São ainda os anjos que evangelizam, anunciando a Boa-Nova da Encarnação e da Ressurreição de Cristo.

Os anjos na vida da Igreja

Daqui resulta que toda a vida da Igreja beneficia da ajuda misteriosa e poderosa dos anjos. Na sua liturgia, a Igreja associa-se aos anjos para adorar a Deus três vezes santo; invoca a sua assistência como na oração “In paradisum deducant te angeli – conduzam-te os anjos ao paraíso” da Liturgia dos Defuntos, ou ainda no Hino querubínico da Liturgia bizantina, e festeja de modo mais particular a memória de certos anjos (São Miguel, São Gabriel, São Rafael e os Anjos da Guarda).

Desde o seu começo até à morte, a vida humana é acompanhada pela sua assistência e intercessão. Cada fiel tem a seu lado um anjo como protetor e pastor para o guiar na vida. Desde este mundo, a vida cristã participa, pela fé, na sociedade bem-aventurada dos anjos e dos homens, unidos em Deus.

II.               O mundo visível

Foi o próprio Deus que criou o mundo visível, com toda a sua riqueza, a sua diversidade e a sua ordem. A Sagrada Escritura apresenta a obra do Criador, simbolicamente, como uma sequência de seis dias de trabalho divino, que terminam no repouso do sétimo dia. O texto sagrado ensina, a respeito da criação, verdades reveladas por Deus para a nossa salvação, as quais permitem conhecer a natureza última e o valor de todas as criaturas e a sua ordenação para a glória de Deus.

Nada existe que não deva a sua existência a Deus Criador: O mundo começou quando foi tirado do nada pela Palavra de Deus: todos os seres existentes, toda a Natureza, toda a história humana radicam neste acontecimento primordial: é a própria génese, pela qual o mundo foi constituído e o tempo começado.

Cada criatura possui a sua bondade e perfeição próprias. As diferentes criaturas, queridas pelo seu próprio ser, refletem, cada qual a seu modo, uma centelha da sabedoria e da bondade infinitas de Deus. É por isso que o homem deve respeitar a bondade própria de cada criatura, para evitar o uso desordenado das coisas, que despreza o Criador e traz consigo consequências nefastas para os homens e para o seu meio ambiente.

A beleza do Universo: A ordem e a harmonia do mundo criado resultam da diversidade dos seres e das relações existentes entre si. O homem descobre-as progressivamente como leis da natureza. Elas suscitam a admiração dos sábios. A beleza da criação reflete a beleza infinita do Criador, a qual deve inspirar o respeito e a submissão da inteligência e da vontade humanas. O homem é o ponto culminante da obra da criação. A narrativa inspirada exprime essa realidade, fazendo nítida distinção entre a criação do homem e a das outras criaturas.

Na criação, Deus estabeleceu uma base e leis que permanecem estáveis sobre as quais o crente pode apoiar-se com confiança, e que serão para ele sinal e garantia da fidelidade inquebrantável da Aliança divina. Por seu lado, o homem deve manter-se fiel a esta base e respeitar as leis que o Criador nela inscreveu. A criação foi feita em vista do Sábado e, portanto, do culto e da adoração de Deus. O Sábado está no coração da Lei de Israel. Guardar os Mandamentos é corresponder à sabedoria e à vontade de Deus, expressas na sua obra da criação.

O oitavo dia. Mas para nós, um dia novo surgiu: o dia da Ressurreição de Cristo. O sétimo dia acaba a primeira criação. O oitavo dia começa a nova criação. A obra da criação culmina, assim, na obra maior da Redenção. A primeira criação encontrou o seu sentido e cume ria nova criação em Cristo, cujo esplendor ultrapassa o da primeira.

 

PARÁGRAFO 6 - O Homem

Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus. Ele o criou homem e mulher. O homem ocupa um lugar único na criação: é à imagem de Deus (I); na sua própria natureza, une o mundo espiritual e o mundo material (II); foi criado homem e mulher (III); Deus estabeleceu-o na sua amizade (IV)

I.     A imagem de Deus

De todas as criaturas visíveis, só o homem é capaz de conhecer e amar o seu Criador; é a única criatura sobre a terra que Deus quis por si mesma; só ele é chamado a partilhar, pelo conhecimento e pelo amor, a vida de Deus.

Porque é à imagem de Deus, o indivíduo humano possui a dignidade de pessoa: ele não é somente alguma coisa, mas alguém. É capaz de se conhecer, de se possuir e de livremente se dar e entrar em comunhão com outras pessoas. E é chamado, pela graça, a uma Aliança com o seu Criador, a dar-Lhe uma resposta de fé e amor que mais ninguém pode dar em seu lugar.

Deus tudo criou para o homem mas o homem foi criado para servir e amar a Deus, e para Lhe oferecer toda a criação. Graças à comunidade de origem, o género humano forma uma unidade. Deus fez, a partir de um só homem todo o género humano para habitar sobre toda a face da terra.

II.               Corpore et anima unus – Unidade de corpo e alma

A pessoa humana, criada à imagem de Deus, é um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual. A narrativa bíblica exprime esta realidade numa linguagem simbólica, quando afirma que Deus formou o homem com o pó da terra, insuflou-lhe pelas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se num ser vivo. O homem, no seu ser total, foi, portanto, querido por Deus.

Muitas vezes, a palavra alma designa, nas Sagradas Escrituras, a vida humana ou a pessoa humana no seu todo. Mas designa também o que há de mais íntimo no homem e de maior valor na sua pessoa, aquilo que particularmente faz dele imagem de Deus: alma significa o princípio espiritual no homem.

O corpo do homem participa na dignidade da imagem de Deus: é corpo humano precisamente por ser animado pela alma espiritual, e a pessoa humana na sua totalidade é que é destinada a tornar-se, no Corpo (Místico) de Cristo, templo do Espírito.

A unidade da alma e do corpo é tão profunda que se deve considerar a alma como a “forma” do corpo; quer dizer, é graças à alma espiritual que o corpo, constituído de matéria, é um corpo humano e vivo. No homem, o espírito e a matéria não são duas naturezas unidas, mas a sua união forma uma única natureza. A Igreja ensina que cada alma espiritual é criada por Deus de modo imediato e não produzida pelos pais; e que é imortal, isto é, não morre quando, na morte, se separa do corpo; e que se unirá de novo ao corpo na ressurreição final.

Encontra-se às vezes uma distinção entre alma e espírito. A Igreja ensina que esta distinção não introduz uma dualidade na alma, Espírito significa que o homem é ordenado, desde a sua criação, para o seu fim sobrenatural, e que a alma é capaz de ser gratuitamente sobreelevada até à comunhão com Deus.

III.              Homem e mulher os criou

Igualdade e diferença queridas por Deus

O homem e a mulher foram criados, quer dizer, foram queridos por Deus: em perfeita igualdade enquanto pessoas humanas, por um lado; mas, por outro, no seu respetivo ser de homem e de mulher. O homem e a mulher têm uma dignidade inamissível e que lhes vem imediatamente de Deus, seu Criador. O homem e a mulher são, com uma mesma dignidade, à imagem de Deus. No seu ‘ser homem’ e no seu ‘ser mulher’, refletem a sabedoria e a bondade do Criador.

Um para o outro – uma unidade a dois

Criados juntamente, o homem e a mulher são, na vontade de Deus, um para o outro. A Palavra de Deus no-lo dá a entender em diversos passos do texto sagrado. A mulher que Deus molda da costela tirada do homem e que apresenta ao homem, provoca da parte deste, uma exclamação admirativa, de amor e comunhão. O homem descobre a mulher como um outro eu da mesma humanidade.

O homem e a mulher são feitos um para o outro: não é que Deus os tenha feito a meias e incompletos; criou-os para uma comunhão de pessoas, em que cada um pode ser ajuda para o outro, uma vez que são, ao mesmo tempo, iguais enquanto pessoas e complementares enquanto masculino e feminino. No matrimónio, Deus une-os de modo que, formando uma só carne, possam transmitir a vida humana.

 

 

IV.             O homem no paraíso

O primeiro homem não só foi criado bom, como também foi constituído num estado de amizade com o seu Criador, e de harmonia consigo mesmo e com a criação que o rodeava; amizade e harmonia tais, que só serão ultrapassadas pela glória da nova criação em Cristo.

A Igreja, interpretando de modo autêntico o simbolismo da linguagem bíblica à luz do Novo Testamento e da Tradição, ensina que os nossos primeiros pais, Adão e Eva, foram constituídos num estado de santidade e de justiça originais. Todas as dimensões da vida do homem eram fortalecidas pela irradiação desta graça. Enquanto permanecesse na intimidade divina, o homem não devia nem morrer, nem sofrer. A harmonia interior da pessoa humana, a harmonia entre o homem e a mulher, enfim a harmonia entre o primeiro casal e toda a criação, constituía o estado dito de justiça original.

O domínio do mundo, que Deus tinha concedido ao homem desde o princípio, realizava-se, antes de mais, no próprio homem como domínio de si. O homem era integrado e ordenado em todo o seu ser, porque livre da tríplice concupiscência, que o sujeita aos prazeres dos sentidos, à ambição dos bens terrenos e à afirmação de si contra os imperativos da razão. Sinal da familiaridade com Deus é o facto de Deus o colocar no jardim. Toda esta harmonia da justiça original, prevista para o homem pelo plano de Deus, será perdida pelo pecado dos nossos primeiros pais.

 

PARÁGRAFO 7 - A Queda

Deus é infinitamente bom e todas as suas obras são boas. No entanto, ninguém escapa à experiência do sofrimento, dos males da natureza – que aparecem como ligados aos limites próprios das criaturas –, e sobretudo à questão do mal moral. Donde vem o mal? A sua própria busca dolorosa só encontrará saída na conversão ao Deus vivo. Porque o mistério da iniquidade só se esclarece à luz do mistério da piedade. A revelação do amor divino em Cristo manifestou, ao mesmo tempo, a extensão do mal e a superabundância da graça. Devemos, portanto, abordar a questão da origem do mal, fixando o olhar da nossa fé n'Aquele que é o seu único vencedor.

I.                 Onde abundou o pecado, sobreabundou a graça

A realidade do pecado

O pecado está presente na história do homem. Seria vão tentar ignorá-lo ou dar outros nomes a esta obscura realidade. Para tentar compreender o que é o pecado, temos primeiro de reconhecer o laço profundo que une o homem a Deus, porque, fora desta relação, o mal do pecado não é desmascarado na sua verdadeira identidade de recusa e oposição a Deus, embora continue a pesar na vida do homem e na história.

A realidade do pecado e, dum modo particular, a do pecado das origens, só se esclarece à luz da Revelação divina. Sem o conhecimento que esta nos dá de Deus, não se pode reconhecer claramente o pecado, e somos tentados a explicá-lo unicamente como falta de maturidade, fraqueza psicológica, erro, consequência necessária duma estrutura social inadequada, etc. Só no conhecimento do desígnio de Deus sobre o homem é que se compreende que o pecado é um abuso da liberdade que Deus dá às pessoas criadas para que possam amá-Lo e amarem-se mutuamente.

O pecado original – uma verdade fundamental da fé

É preciso conhecer Cristo como fonte da graça para reconhecer Adão como fonte do pecado. A doutrina do pecado original é, por assim dizer, o reverso da Boa-Nova de que Jesus é o Salvador de todos os homens, de que todos têm necessidade da salvação e de que a salvação é oferecida a todos, graças a Cristo. A Igreja, que tem o sentido de Cristo, sabe bem que não pode tocar-se na revelação do pecado original sem atentar contra o mistério de Cristo.

Para ler a narrativa da queda

A narrativa da queda (Gn 3) utiliza uma linguagem feita de imagens, mas afirma um acontecimento primordial, um facto que teve lugar no princípio da história do homem. A Revelação dá-nos uma certeza de fé de que toda a história humana está marcada pela falta original, livremente cometida pelos nossos primeiros pais.

II.               A queda dos anjos

Por detrás da opção de desobediência dos nossos primeiros pais, há uma voz sedutora, oposta a Deus, a qual, por inveja, os faz cair na morte. A Escritura e a Tradição da Igreja vêem neste ser um anjo decaído, chamado Satanás ou Diabo. Segundo o ensinamento da Igreja, ele foi primeiro um anjo bom, criado por Deus. Diabolus enim et alii daemones a Deo quidem natura creati sunt boni, sed ipsi per se facti sunt mali – De facto, o Diabo e os outros demónios foram por Deus criados naturalmente bons; mas eles, por si, é que se fizeram maus.

A Escritura fala dum pecado destes anjos. A queda consiste na livre opção destes espíritos criados, que radical e irrevogavelmente recusaram Deus e o seu Reino. O Diabo é pecador desde o princípio, pai da mentira. É o carácter irrevogável da sua opção, e não uma falha da infinita misericórdia de Deus, que faz com que o pecado dos anjos não possa ser perdoado.

O poder de Satanás não é infinito. Satanás é uma simples criatura, poderosa pelo facto de ser puro espírito, mas, de qualquer modo, criatura: impotente para impedir a edificação do Reino de Deus. Embora Satanás exerça no mundo a sua ação, por ódio contra Deus e o seu reinado em Jesus Cristo, e embora a sua ação cause graves prejuízos – de natureza espiritual e indiretamente, também, de natureza física – a cada homem e à sociedade, essa ação é permitida pela divina Providência, que com força e suavidade dirige a história do homem e do mundo. A permissão divina da atividade diabólica é um grande mistério.

III.              O pecado original

A prova da liberdade

Deus criou o homem à sua imagem e constituiu-o na sua amizade. Criatura espiritual, o homem só pode viver esta amizade na modalidade da livre submissão a Deus. É isso o que exprime a proibição feita ao homem de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. A árvore de conhecer o bem e o mal evoca simbolicamente o limite intransponível que o homem, como criatura, deve livremente reconhecer e confiadamente respeitar. O homem depende do Criador. Está sujeito às leis da criação e às normas morais que regulam o exercício da liberdade.

O primeiro pecado do homem

Tentado pelo Diabo, o homem deixou morrer no coração a confiança no seu Criador. Abusando da liberdade, desobedeceu ao mandamento de Deus. Nisso consistiu o primeiro pecado do homem. Daí em diante, todo o pecado será uma desobediência a Deus e uma falta de confiança na sua bondade. Neste pecado, o homem preferiu-se a si próprio a Deus, e por isso desprezou Deus: optou por si próprio contra Deus, contra as exigências da sua condição de criatura e, daí, contra o seu próprio bem. Constituído num estado de santidade, o homem estava destinado a ser plenamente divinizado por Deus na glória. Pela sedução do Diabo, quis ser como Deus, mas sem Deus, em vez de Deus, e não segundo Deu).

A Escritura refere as consequências dramáticas desta primeira desobediência: Adão e Eva perdem imediatamente a graça da santidade original. A harmonia em que viviam, graças à justiça original, ficou destruída; o domínio das faculdades espirituais da alma sobre o corpo foi quebrado; a união do homem e da mulher ficou sujeita a tensões; as suas relações serão marcadas pela avidez e pelo domínio. A harmonia com a criação desfez-se: a criação visível tornou-se, para o homem, estranha e hostil. Por causa do homem, a criação ficou sujeita à servidão da corrupção.  Enfim, vai concretizar-se a consequência explicitamente anunciada para o caso da desobediência: o homem voltará ao pó de que foi formado. A morte faz a sua entrada na história da humanidade.

Consequências do pecado de Adão para a humanidade

Todos os homens estão implicados no pecado de Adão. Depois de São Paulo, a Igreja sempre ensinou que a imensa miséria que oprime os homens, e a sua inclinação para o mal e para a morte não se compreendem sem a ligação com o pecado de Adão e o facto de ele nos ter transmitido um pecado de que todos nascemos infetados e que é morte da alma. A partir desta certeza de fé, a Igreja confere o Batismo para a remissão dos pecados, mesmo às crianças que não cometeram qualquer pecado pessoal.

Como é que o pecado de Adão se tornou o pecado de todos os seus descendentes? Todo o género humano é, em Adão, “sicut unum corpus unius hominis – como um só corpo dum único homem”. Em virtude desta unidade do género humano, todos os homens estão implicados no pecado de Adão, do mesmo modo que todos estão implicados na justificação de Cristo. Todavia, a transmissão do pecado original é um mistério que nós não podemos compreender plenamente. Mas sabemos, pela Revelação, que Adão tinha recebido a santidade e a justiça originais, não só para si, mas para toda a natureza humana; consentindo na tentação, Adão e Eva cometeram um pecado pessoal, mas este pecado afeta a natureza humana que eles vão transmitir num estado decaído. É um pecado que vai ser transmitido a toda a humanidade por propagação, quer dizer, pela transmissão duma natureza humana privada da santidade e justiça originais. E é por isso que o pecado original se chama pecado por analogia: é um pecado contraído e não cometido; um estado, não um ato.

Embora próprio de cada um, o pecado original não tem, em qualquer descendente de Adão, carácter de falta pessoal. É a privação da santidade e justiça originais, mas a natureza humana não se encontra totalmente corrompida: está ferida nas suas próprias forças naturais, sujeita à ignorância, ao sofrimento e ao império da morte, e inclinada ao pecado (inclinação para o mal, que se chama concupiscência). O Batismo, ao conferir a vida da graça de Cristo, apaga o pecado original e reorienta o homem para Deus, mas as consequências para a natureza, enfraquecida e inclinada para o mal, persistem no homem e convidam-no ao combate espiritual.

A doutrina da Igreja sobre a transmissão do pecado original foi definida sobretudo no século V, particularmente sob o impulso da reflexão de Santo Agostinho contra o pelagianismo, e no século XVI, por oposição à Reforma protestante. Pelágio sustentava que o homem podia, pela força natural da sua vontade livre, sem a ajuda necessária da graça de Deus, levar uma vida moralmente boa; reduzia a influência do pecado de Adão à de um simples mau exemplo. Os primeiros reformadores protestantes, pelo contrário, ensinavam que o homem estava radicalmente pervertido e a sua liberdade anulada pelo pecado das origens: identificavam o pecado herdado por cada homem com a tendência para o mal (concupiscência), a qual seria invencível.

Um duro combate

A doutrina sobre o pecado original – ligada à da redenção por Cristo – proporciona uma visão de lúcido discernimento sobre a situação do homem e da sua ação neste mundo. Pelo pecado dos primeiros pais, o Diabo adquiriu um certo domínio sobre o homem, embora este permanecesse livre. As consequências do pecado original e de todos os pecados pessoais dos homens dão ao mundo, no seu conjunto, uma condição pecadora, que pode ser designada pela expressão de São João “o pecado do mundo”. Esta expressão significa também a influência negativa que as situações comunitárias e as estruturas sociais, que são o fruto dos pecados dos homens, exercem sobre as pessoas.

IV.             Vós não o abandonastes ao poder da morte

Depois da queda, o homem não foi abandonado por Deus. Pelo contrário, Deus chamou-o e anunciou-lhe, de modo misterioso, que venceria o mal e se levantaria da queda. Esta passagem do Génesis tem sido chamada “Proto-Evangelho” por ser o primeiro anúncio do Messias redentor, do combate entre a Serpente e a Mulher, e da vitória final dum descendente desta. A Tradição cristã vê nesta passagem um anúncio do novo Adão que, pela sua obediência até à morte de cruz, repara superabundantemente a desobediência de Adão. Por outro lado, muitos santos Padres e Doutores da Igreja vêem na mulher, anunciada no “Proto-Evangelho”, a Mãe de Cristo, Maria, como nova Eva. Ela foi a primeira a beneficiar, dum modo único, da vitória sobre o pecado alcançada por Cristo: foi preservada de toda a mancha do pecado original e, durante toda a sua vida terrena, por uma graça especial de Deus, não cometeu qualquer espécie de pecado.